TRECHOS DE POEMAS







“Solidão, eu te saúdo! silêncio dos bosques, salve!
A ti venho, ó natureza; abre-me o teu seio.
Venho depor nele o peso aborrecido da existência; venho despir as fadigas da vida.
Quero pensar só comigo; quero falar a sós com meu coração.
Os homens não me deixam; amparai-me vós, solidões amenas, abrigai-me, ó solidões deleitosas.
(...)

“Que doce não é fugir dos homens para viver com as plantas!
Que prazer não é deixar essas habitações alinhadas pelo prumo de sua pequenhez; e vir no desalinho dos campos folgar em liberdade com a natureza!
Nascentes que rompeis do seio das rochas! vós não sois comprimidas nos estreitos canais que fabricou a arte:
Livres surgis da terra, livres jorrais das penhas; e livres correis dos montes a cobrejar nos prados por entre o matiz das flores.
Árvores frondosas, vegetai sem medo; a foice do jardineiro não vos despojará da rama para o monótono prazer de luxo contrafeito.
E vós, rochedos majestosos, repousai tranquilos nas elevações da terra; que não virá o cinzel do estatuário roubar-vos as formas da natureza:
Para transmitir ao neto degenerado, as feições do avô ambicioso.
(...)

“Solidão, eu venho a ti; já não me quero senão no teu seio.
Trago o coração oprimido; na mão de ferro mo aperta.
O espinho da dor está cravado no meio dele; a angústia o torce sem piedade.
O afogo lhe travou das artérias; todo o peso da desgraça está em cima dele.
O meu sangue já não tem vida; e circula de mau grado pelas veias frouxas.
Arde-me não sei que fogo no íntimo do peito; queria chorar e não tenho lágrimas.
Travam-me na boca os azedumes do passado; a aridez do futuro secou os meus olhos.
(...)

“O homem não tem senão o passado e o futuro; o passado para chorar, o futuro para temer.
O presente não é nada; e é só o que ele sabe.
(...)

“Por isso está triste a minha alma; triste até à morte.
E os homens cuidam que eu sou feliz; e eu rego de noite o meu leito com as lágrimas dos olhos.
Porque a noite fez-se para chorar quem tem que chorar; de dia o avisado mente e ri.
Por isso eu não quero viver mais com os homens; porque quero chorar de dia e de noite.
A cidade é para mim o deserto; a solidão é minha pátria.
(Almeida Garrett, no poema "Solidão")







“Não tenhas medo das palavras grandes, pois se referem a pequenas coisas.
Para o que é grande os nomes são pequenos:
assim a vida e a morte, a paz e a guerra, a noite, o dia, a fé, o amor e o lar.
Aprende a usar, com grandeza, as palavras pequenas.
Verás como é difícil fazê-lo, mas conseguirás dizer o que queres dizer.
Entretanto, quando não souberes o que queres dizer,
usa palavras grandes, que geralmente servem para enganar os pequenos.”
(Arthur Kudner)







“Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!

Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!

Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -

Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!”
(Augusto dos Anjos, no poema "Solitário")







“Ir sozinho ao cinema
Visitar uma livraria
Uma cerveja no bar
Um café na padaria
Ter você pra você mesmo
Também é ter companhia
Nem sempre estar sozinho
É sinal de solidão
Vez por outra o mundo chama
E nossa resposta é 'Não'
Por ter marcado um encontro
Com o próprio coração...”
(Bráulio Bessa)







“Vivo querendo
dar endereço
ao tal sem nome
que sinto,
mas minto
quando o nomeio
e, quando o mapeio,
desminto.”
(Bruno Ramalho, no poema "Busca")







“O eflúvio da manhã,
quem o pede ao crepúsculo da tarde?
Uma presença, o clarineta,
vai pé ante pé procurar o remédio,
mas haverá remédio para existir
senão existir?”
(Carlos Drummond de Andrade, no poema "A Um Bruxo, Com Amor")







“onde o diabo joga dama com o destino,
estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro,
que revolves em mim tantos enigmas.”
(Carlos Drummond de Andrade, no poema "A Um Bruxo, Com Amor")







“Eu deixo aroma até nos meus espinhos,
ao longe, o vento vai falando em mim.

E por perder-me é que me vão lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.”
(Cecília Meireles, no poema "4° Motivo Da Rosa")







“É mais fácil pousar o ouvido nas nuvens
e sentir passar as estrelas
do que prendê-lo à terra e alcançar o rumor dos teus passos.

É mais fácil, também, debruçar os olhos no oceano
e assistir, lá no fundo, ao nascimento mudo das formas,
que desejar que apareças, criando com teu simples gesto
o sinal de uma eterna esperança.

Não me interessam mais nem as estrelas, nem as formas do mar,
nem tu.

Desenrolei de dentro do tempo a minha canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.”
(Cecília Meireles, no poema "Aceitação")







“Tão grande, o mundo!
Tão curta, a vida!”
(Cecília Meireles, no poema "Adeuses")







“Aqui está minha vida — esta areia tão clara
com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz — esta concha vazia,
sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor — este coral quebrado,
sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança — este mar solitário,
que de um lado era o amor e, do outro, esquecimento.”
(Cecília Meireles, no poema "Apresentação")







“Vem ver as cascas das conchas
nas praias que as vão reduzindo a areia!

Oficina do vagaroso tempo...

Vem ver os pedaços dos mastros
boiando pela última vez na violenta vaga!

Oficina da rápida tormenta...

Vem ver teu lenço rasgar-se entre o sol e o vento
dos seculares adeuses!

Oficina exata da vida...

Vem ver os rostos e as nuvens desmanchadas
entre dunas e lágrimas invencíveis.

Alta oficina das estrelas!”
(Cecília Meireles, no poema "Astrologia")







“Ainda que sendo tarde e em vão,
perguntarei por que motivo
tudo quanto eu quis de mais vivo
tinha por cima escrito: 'N ã o'.”
(Cecília Meireles, no poema "A Última Cantiga")







“Não permaneço.
Cada momento
é meu e alheio.”
(Cecília Meireles, no poema "Auto-Retrato")







“E até sem barco navega
quem para o mar foi fadada.

Deus te proteja, Cecília,
que tudo é mar — e mais nada.”
(Cecília Meireles, no poema "Beira-Mar")







“Escreverás meu nome com todas as letras
com todas as datas
— e não serei eu.

Repetirás o que me ouviste,
o que leste de mim, e mostrarás meu retrato
— e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,
invenções sutis, engenhosas teorias
— e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,
de muitos instantes mínimos
— isso seria eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.
— Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,
transparentes e opacos, segundo o giro da luz
— nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
leves e livres como a cascata pelas pedras.
— Que mortal nos poderia prender?”
(Cecília Meireles, no poema "Biografia")







“Não sou a das águas vista
nem a dos homens amada;
nem a que sonhava o artista
em cujas mãos fui formada.
Talvez em pensar que exista
vá sendo eu mesma enganada.

Quando o tempo em seu abraço
quebra meu corpo, e tem pena,
quanto mais me despedaço,
mais fico inteira e serena.
Por meu dom, divino faço
tudo a que Deus me condena.

Da virtude de estar quieta
compondo o meu movimento.
Por indireta e direta,
perturbo estrelas e vento.
Sou a passagem da seta
e a seta, — em cada momento.”
(Cecília Meireles, no poema "Canção")







“Alta noite, lua quieta,
muros frios, praia rasa.

Andar, andar, que um poeta
não necessita de casa.

Acaba-se a última porta.
O resto é o chão do abandono.

Um poeta, na noite morta,
não necessita de sono.

Andar... Perder o seu passo
na noite, também perdida.

Um poeta, à mercê do espaço,
nem necessita de vida.

Andar... — enquanto consente
Deus que seja a noite andada.

Porque o poeta, indiferente,
anda por andar — somente.
Não necessita de nada.”
(Cecília Meireles, no poema "Canção De Alta Noite")







“(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa...
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa...)”
(Cecília Meireles, no poema "Canção Do Caminho")







“Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sobre o meu passo,
é já uma distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
— saudosa do que não faço
— do que faço, arrependida.”
(Cecília Meireles, no poema "Canção Excêntrica")







“Certamente, não há nada
de ti, sobre este horizonte,
desde que ficaste ausente.

Mas é isso o que me mata:
sentir que estás não sei onde,
mas sempre na minha frente.”
(Cecília Meireles, no poema "Canções Do Mundo Acabado")







“Não acredites em tudo
que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante.

Quando não parece, é muito,
quando é muito, é muito pouco,
e depois nunca é bastante...

(...)

A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar.

(Porque o tempo sempre foi
longo para me esqueceres
e curto para te amar.)”
(Cecília Meireles, no poema "Canções Do Mundo Acabado")







“Não queiras ter Pátria.
Não dividas a Terra.
Não dividas o Céu.
Não arranques pedaços do mar.
Não queiras ter.
Nasce bem alto,
Que as coisas todas serão tuas.”
(Cecília Meireles, no poema "Cântico")







“Como os poetas que já cantaram,
e que já ninguém mais escuta,
eu sou também a sombra vaga
de alguma interminável música!”
(Cecília Meireles, no poema "Comunicação")







“Conheço a residência da dor.
É num lugar afastado,
sem vizinhos, sem conversa, quase sem lágrimas,
com umas imensas vigílias, diante do céu.

A dor não tem nome,
não se chama, não atende.
Ela mesma é solidão:
nada mostra, nada pede, não precisa.
Vem quando quer.

O rosto da dor está voltado sobre um espelho,
mas não é rosto de corpo,
nem o seu espelho é do mundo.

Conheço pessoalmente a dor.
A sua residência, longe,
em caminhos inesperados.

Às vezes sento-me à sua porta, na sombra das suas árvores.
E ouço dizer:
'Quem visse, como vês, a dor, já não sofria.'
E olho para ela, imensamente.
Conheço há muito tempo a dor.
Conheço-a de perto.
Pessoalmente.”
(Cecília Meireles, no poema "Conheço A Residência Da Dor")







“Não acuso. Nem perdoo.
Nada sei. De nada.
Contemplo.

(...)

Como hei de acusar ou perdoar?
Nada sei.
Contemplo.

(...)

Não acuso nem perdoo.
Que faremos, errantes entre as invenções dos deuses?”
(Cecília Meireles, no poema "Contemplação")







“Há um gesto acorrentado e uma voz sem coragem,
e um amor que não sabe onde é que anda o seu dia.”
(Cecília Meireles, no poema "Descrição")







“Porque há doçura e beleza
na amargura atravessada,
e eu quero a memória acesa
depois da angústia apagada.”
(Cecília Meireles, no poema "Desejo De Regresso")







“Que procuras? — Tudo. Que desejas? — Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.”
(Cecília Meireles, no poema "Despedida")







“E perguntei ao pássaro: 'Onde estavas
para me perguntares tudo isso?
Também já viveste tanto?'

E ele me respondeu: 'Não, tudo isso está no fundo dos teus olhos.
Eu só vou perguntando o que estou lendo...
E, porque o leio, canto.'”
(Cecília Meireles, no poema "Diálogos Do Jardim")







“Manejava o arco
de tal maneira suave e exata
que era belo ser vítima.”
(Cecília Meireles, no poema "Diana")







“Não é preciso que me visitem, se estiver doente,
embora o convívio dos amigos seja, comumente, agradável.

Não é preciso que exclamem, por estar morta: 'Coitada!' 'Que pena!',
embora seja esse o uso normal, na terrena vida.

Não é preciso trazerem flores, embora o mundo
das flores seja como o dos mortos, profundo e belo.

Não é preciso vestirem luto, — nem isso a mais ninguém ocorre...
— embora ajudasse a apagar quem morre, com mais sombra.

Não é preciso rezar ofícios, embora a minha sorte
fosse esta de só pensar no que separa morte e vida.

Não é preciso nenhuma notícia ou comentário avulso,
embora eu sentisse o mundo bater no meu pulso, tão forte.

Principalmente, é preciso que ninguém chore nem me recorde com tristeza,
porque seria absurdo, contra a natureza das coisas:

Os mortos não querem nada, no seu reino grande e frio,
e estão livres de convenções, e nada vale o amor tardio.
O amor enfim.”
(Cecília Meireles, no poema "Disposições Finais")







“Sempre que me vou embora
é com silêncio maior.
As solidões deste mundo
conheço-as todas de cor.”
(Cecília Meireles, no poema "Em Voz Baixa")







“A tua raça de aventura
quis ter a terra, o céu, o mar.

Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.

A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.”
(Cecília Meireles, no poema "Epigrama N° 7")







“O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos nossos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.”
(Cecília Meireles, no poema "É Preciso Não Esquecer Nada")







“Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis”
(Cecília Meireles, no poema "Eternidade Inútil")







“Das tuas águas tão verdes
nunca mais me esquecerei.
Meus lábios mortos de sede
para as ondas inclinei.
Romperam-se em teus rochedos:
só bebi do que chorei.

(...)

Dos teus horizontes quietos
nunca mais me esquecerei.
Por longe que ande, estou perto.
Toda em ti me encontrarei.
Foste o campo mais funesto
por onde me dissipei.

(...)

Como um náufrago entre os salvos,
meu coração se volvia.

(...)

Não rogava. Não chorava.
Unicamente morria.”
(Cecília Meireles, no poema "Exílio")







“Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem para quê.”
(Cecília Meireles, no poema "Humildade")







“É bom deixar
um pouco de ternura e encanto indiferente
de herança, em cada lugar.

(...)

Meu destino é mais longe e meu passo mais rápido:
a sombra é que vai devagar.”
(Cecília Meireles, no poema "Inscrição")







“É tão profundo, o campo, que ninguém chega a ver que é triste.”
(Cecília Meireles, no poema "Lembrança Rural")







“Murmuro para mim mesma:
'É tudo imaginação!'

Mas sei que tudo é memória...”
(Cecília Meireles, no poema "Memória")







“Teu bom pensamento longínquo me emociona.
Tu, que apenas me leste,
acreditaste em mim, e me entendeste profundamente.

Isso me consola dos que me viram,
a quem mostrei toda a minha alma,
e continuaram ignorantes de tudo que sou,
como se nunca me tivessem encontrado.”
(Cecília Meireles, no poema "Mensagem A Um Desconhecido")







“Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.”
(Cecília Meireles, no poema "Motivo")







“Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.”
(Cecília Meireles, no poema "Noções")







“Por onde
é o deserto?
Às vezes,
responde,
de perto,
de longe.
Mas depois
se esconde.
Somos um
ou dois?
Às vezes,
nenhum.
E em seguida,
tantos!
A vida
transborda
por todos
os cantos.”
(Cecília Meireles, no poema "Noite")







“Se algum de nós avistasse o que seríamos com o tempo,
todos nós choraríamos, de mútua pena e susto imenso.”
(Cecília Meireles, no poema "O Tempo No Jardim")







“Ali no meio do mundo,
toda para o céu voltada,
única fonte na areia,
sozinha, a mulher chorava.

Talvez perguntasse aos santos:
'Por que se morre?' e sentisse
que do céu lhe perguntavam
também: 'Para que se vive?'”
(Cecília Meireles, no poema "Paisagem Mexicana")







“Ah, na insônia feliz é que as ausências se aproximam,
nos corredores da memória, hesitantes em cada porta.”
(Cecília Meireles, no poema "Profundidade Da Insônia")







“Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?”
(Cecília Meireles, no poema "Retrato")







“Por um momento, o universo, a vida
podem ser apenas este pequeno som
enigmático

entre a noite imóvel
e o nosso ouvido.”
(Cecília Meireles, no poema "Som Da Índia")







“Gosto de pássaros
que se enamoram das estrelas
e caem de cansaço
ao voarem
em busca da luz...”
(D. Hélder Câmara)







“Ela está no horizonte...
Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe
Jamais a alcançarei.
Para que serve a utopia?
Serve para isso: para caminhar.”
(Eduardo Galeano)







“Primeiro, disseram que não haveria mais guerrilhas.
Acreditei e, com as botas, abandonei sonhos revolucionários.
Em seguida, disseram que terminara a luta armada.
Tornei-me pois violento pacifista.
Depois, disseram que a esquerda falira,
E fechei os olhos ao olhar dos pobres.
Enfim, disseram que o socialismo morrera,
E que uma palavra basta: democracia.
Então nasceu em mim
A liberdade de ser burguês.
Sem culpa.”
(Frei Betto, no poema "Sequestro da Linguagem")







“Ainda como antigamente
Os homens dão a si mesmos por um preço
Judas vendeu por trinta moedas
A si mesmo — não a Cristo.”
(Hester H. Chomondelay, no poema "Judas")







“De vuestros ojos centellas,
Que encienden pechos de hielo,
Suben por el aire al cielo,
Y en llegando son estrellas.”
(Luís de Camões)







“A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.”
(Manoel de Barros, no poema "Tratado Geral Das Grandezas Do Ínfimo")







“Eu tive uma namorada que via errado. O que ela
via não era uma garça na beira do rio. O que ela
via era um rio na beira de uma garça. Ela despraticava
as normas. Dizia que seu avesso era mais visível
do que um poste. Com ela as coisas tinham que mudar
de comportamento. Aliás, a moça me contou uma vez
que tinha encontros diários com suas contradições.
Acho que essa frequência nos desencontros ajudava
o seu ver oblíquo. Falou por acréscimo que ela
não contemplava as paisagens. Que eram as paisagens
que a contemplavam. Chegou de ir no oculista. Não
era um defeito físico falou o diagnóstico. Induziu
que poderia ser uma disfunção da alma. Mas ela
falou que a ciência não tem lógica. Porque viver
não tem lógica – como diria nossa Lispector.
Veja isto: Rimbaud botou a beleza nos olhos e
viu que a beleza é amarga. Tem Lógica? - Também ela
quis trocar por duas andorinhas os urubus que
avoavam no Ocaso de seu avô. O Ocaso do seu avô
tinha virado uma praga de urubu. Ela queria trocar
porque as andorinhas eram amoráveis e os urubus
eram carniceiros. Ela não tinha certeza se essa
troca podia ser feita. O pai falou que verbalmente
podia. Que era só despraticar as normas. Achei certo.”
(Manoel de Barros, no poema "Tratado Geral Das Grandezas Do Ínfimo")







“A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem, mas as almas não.”
(Manuel Bandeira, no poema "Antologia")







“Quando vi Teresa de novo
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)”
(Manuel Bandeira, no livro “Teresa”)







“Todo mundo tem um quase amor. Uma história que por capricho do destino ou por desleixo nosso não aconteceu. Mas o problema não é isso. O problema é o que isso faz com a gente.
Como pode uma história que não chegou a acontecer não deixar que outras aconteçam? Como pode um amor que deu errado fazer com que pensemos que nenhum mais dará certo?
Quando a gente é criança a gente tem medo de fantasmas, de espíritos de gente que já morreu. Mas quando a gente cresce a gente percebe que os fantasmas são outros! Fantasmas de gente que morreu dentro da gente, mas que ainda nos visitam! E o que mais assusta não é a sua presença. O que mais assusta é a ausência que essa presença faz.”
(Marcos Bulhões)







“Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A presença distante das estrelas...”
(Mário Quintana)







“Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?”
(Mário Quintana, no poema "Inscrição Para Uma Lareira")







“Pois dentro e fora, acima, em torno, embaixo,
Tudo é apenas um jogo de Sombra Mágica
Executado numa Caixa cuja Vela é o Sol,
Em torno do qual giramos nós, Figuras Fantasmas.”
(Omar Khayyám, no poema "O Rubáiyát")







“O firmamento e todas as coisas abaixo dele,
A Terra e suas criaturas,
Tudo muda,
E nós, parte da criação,
Também temos de sofrer mudanças.”
(Ovídio)







“não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino.”
(Paulo Leminski, no poema "Não Discuto")







¿Si he muerto y no me he dado cuenta
A quién le pregunto la hora?
(...)
¿Dónde puede vivir un ciego
A quien le persiguen las abejas?
(...)
¿Dime, la rosa esta desnuda
O sólo tiene ese vestido?”
(...)
¿Por qué los árboles esconden
El esplendor de sus raíces?”
(...)
¿Hay algo más triste en el mundo
Que un tren inmóvil en la lluvia?
(...)
¿Cuántas iglesias tiene el cielo?
(...)
¿Por qué no ataca el tiburón
A las impávidas sirenas?
(...)
¿Conversa el humo con las nubes?
(...)
¿Es verdade que las esperanzas
Deben regarse com rocío?
(...)
¿Qué guardas bajo tu joroba?
Dijo un camello a una tortuga.
(...)
¿Por qué se suicidan las hojas
Cuando se sienten amarillas?
(...)
¿Qué dice la vieja ceniza
Cuando camina junto al fuego?
(...)
¿Por qué lloran tanto las nubes
Y cada vez son más alegres?
(...)
¿Cuántas abejas tiene el dia?
(...)
¿Por qué enseña el profesor
La geografía de la muerte?
(...)
¿Qué cosa irrita a los volcanes
Qué escupen fuego, frío y furia?
(...)
¿Las lágrimas que no se lloran
Esperan en pequeños lagos?
¿O serán ríos invisibles
Que corren hacia la tristeza?
(...)
¿Cómo agradecer a las nubes
Esa abundancia fugitiva?
(...)
¿De dónde viene el nubarrón
Con sus sacos negros de llanto?
(...)
¿Qué sigue pagando el Otoño
Con tanto dinero amarillo?
(...)
¿Y a quién le sonríe el arroz
Con infinitos dientes blancos?
(...)
¿Por qué en las épocas oscuras
Se escribe con tinta invisible?
(...)
¿Por qué me pican las pulgas
Y los sargentos literarios?
(...)
¿Pero por qué no se convence
El Jueves de ir después del Viernes?
(...)
¿Por qué se entristece la tierra
Cuando aparecen las violetas?
(...)
¿Por qué ríe la agricultura
Del llanto pálido del cielo?
(...)
¿Cómo logró su libertad
La bicicleta abandonada?
(...)
¿Es verdad que en el hormiguero
Los sueños son obligatorios?
(...)
¿Sabes qué meditaciones
Rumia la tierra en el otoño?
(¿Por qué no dar una medalla
a la primera hoja de oro?)
(...)
¿Y sabes lo que es más difícil
Entre granar y desgranar?
(...)
¿Es malo vivir sin infierno:
No podemos reconstruirlo?
(...)
¿Han contado el oro que tiene
El territorio del maíz?
(...)
¿Quién canta en el fondo del agua
En la laguna abandonada?
(...)
¿De qué ríe la sandía
Cuando la están asesinando?
(...)
¿Es verdad que el ámbar contiene
Las lágrimas de las sirenas?
(...)
¿Cómo se llama una flor
Que vuela de pájaro en pájaro?
(...)
¿No es mejor nunca que tarde?
(...)
¿Dónde está el centro del mar?
¿Por qué no van allí las olas?
(...)
¿Puedo preguntar a mi libro
Si es verdad que yo lo escribí?
(...)
¿Amor, amor, aquel y aquella
Si ya no son, dónde se fueron?
(...)
¿Ayer, ayer dije a mis ojos
Cuándo volveremos a vernos?
(...)
¿Y cuándo se muda el paisaje
Son tus manos o son tus guantes?
(...)
¿Se convierte en pez volador
Si transmigra la mariposa?
(...)
¿Entonces no era verdad
Que vivía Dios en la luna?
(...)
¿De qué color es el olor
Del llanto azul de las violetas?
(...)
¿Cuándo el preso piensa en la luz
Es la misma que te ilumina?
(...)
¿Por qué para esperar la nieve
Se ha desvestido la arboleda?
(...)
¿Por qué viven tan harapientos
Todos los gusanos de seda?
(...)
¿Por qué es tan dura la dulzura
Del corazón de la cereza?
¿Es porque tiene que morir
O porque tiene que seguir?
(...)
¿A quién engaña la magnolia
Con su fragancia de limones?
(...)
¿Dónde deja el puñal el águila
Cuando se acuesta en una nube?
(...)
¿Hay sitio para unas espinas?
Le preguntaron al rosal.
(...)
¿Por qué los pobres no comprenden
Apenas dejan de ser pobres?
(...)
¿Quién despierta a sol cuando duerme
Sobre su cama abrasadora?
(...)
¿Canta la tierra como un grillo
Entre la música celeste?
(...)
¿Verdad que es ancha la tristeza,
Delgada la melancolía?
(...)
¿Y en una caja mineral
Guardaron sus sueños los ricos?
(...)
¿A quién le puedo preguntar
Qué vine a hacer en este mundo?
¿Por qué me muevo sin querer,
Por qué no puedo estar inmóvil?
¿Por qué voy rodando sin ruedas,
Volando sin alas ni plumas (...)?
(...)
¿Y por qué el sol es tan mal amigo
Del caminante en el desierto?
¿Y por qué el sol es tan simpático
En el jardín del hospital?
(...)
¿Fue adonde a mí me perdieron
Que logré por fin encontrarme?
(...)
¿Con las virtudes que olvidé
Me puedo hacer un traje nuevo?
(...)
¿Por qué no amanece em Bolivia
Desde la noche de Guevara?
(...)
¿No será nuestra vida un túnel
Entre dos vagas claridades?
¿O no será una claridad
Entre dos triángulos oscuros?
(...)
¿O no será la vida un pez
Preparado para ser pájaro?
(...)
¿La muerte será de no ser
O de sustancias peligrosas?
(...)
¿Qué harán tus huesos disgregados,
Buscarán otra vez tu forma?
(...)
¿Pero sabes de dónde viene
La muerte, de arriba o de abajo?
¿De los microbios o los muros,
De las guerras o del invierno?
(...)
¿No puede matarte también
Un beso de la primavera?
(...)
¿Crees que el luto te adelanta
La bandera de tu destino?
(...)
¿Y encuentras en la calavera
Tu estirpe a hueso condenada?
(...)
¿Si las moscas fabrican miel
Ofenderán a las abejas?
(...)
¿Cuánto dura un rinoceronte
Después de ser enternecido?
(...)
¿Sufre más el que espera siempre
Que aquel que nunca esperó a nadie?
(...)
¿Tal vez una estrella invisible
Será el cielo de los suicidas?
(...)
¿Quién era aquella que te amó
En el sueño, cuando dormías?
¿Dónde van las cosas del sueño?
¿Se van al sueño de los otros?
(...)
¿Dónde está el niño que yo fui,
Sigue adentro de mí o se fue?
¿Sabe que no lo quise nunca
Y tampoco me quería?
¿Por qué anduvimos tanto tiempo
Creciendo para separarnos?
¿Por qué no morimos los dos
Cuando mi infancia se murió?
¿Y se el alma se me cayó
Por qué me sigue el esqueleto?
(...)
¿Y donde termina el espacio
Se llama muerte o infinito?
(...)
¿Qué pesan más en la cintura,
Los dolores o los recuerdos?
(...)
¿Con qué derecho numeraron
Las doce uvas del racimo?
(...)
¿Por qué no nos dieron extensos
Meses que duren todo el año?
(...)
¿No te engañó la primavera
Con besos que no florecieron?
(...)
¿Por qué me preguntan las olas
Lo mismo que yo les pregunto?
¿Y por qué golpean la roca
Con tanto entusiasmo perdido?
¿No se cansan de repetir
Su declaración a la arena?
(...)
¿Es el orden o lo batalla
Este quebranto sucesivo?
(...)
¿Es verdad que las golondrinas
Van a establecerse en la luna?
(...)
¿Y no estará prestado el mar
Por un corto tiempo a la tierra?
¿No tendremos que devolverlo
Con sus mareas a la luna?
(...)
¿No será bueno prohibir
Los besos interplanetarios?
¿Por qué no analizar las cosas
Antes de habilitar planetas?
¿Y por qué no el ornitorrinco
Con su espacial indumentaria?
(...)
¿Por qué no naci misterioso?
(...)
¿Y quién salió a vivir por mi
Cuando dormía o enfermaba?
(...)
¿Y qué importancia tengo yo
En el tribunal del olvido?
(...)
¿La gota viva del azogue
Corre hacia abajo o hacia siempre?
(...)
¿Tendré mi olor y mis dolores
Cuando yo duerma destruido?
(...)
¿Qué significa persistir
En el callejón de la muerte?
(...)
¿Cuando ya se fueron los huesos
Quién vive en el polvo final?
(...)
¿Cómo se acuerda com los pájaros
La traducción de sus idiomas?
(...)
¿Cómo le digo a la tortuga
Que yo le gano en lentitud?
(...)
¿Soy un malvado alguna vez
O todas las veces soy bueno?
(...)
¿Es que se aprende la bondad
O la máscara de la bondad?
(...)
¿Quién da los nombres y los números
Al inocente innumerable?
(...)
¿Y no se arrastra una palabra
A veces como una serpiente?
(...)
¿Un diccionario es un sepulcro
O es un panal de miel cerrado?
(...)
¿En qué ventana me quedé
Mirando el tiempo sepuldado?
(...)
¿O lo que miro desde lejos
Es lo que no he vivido aún?
(...)
¿Cuándo lee la mariposa
Lo que vuela escrito en sus alas?
(...)
¿Qué letras conoce la abeja
Para saber su itinerario?
(...)
¿Cómo se llaman los ciclones
Cuando no tienen movimiento?
(...)
¿Cuál es el trabajo forzado
De Hitler en el infierno?
(...)
¿Si todos los ríos son dulces
De dónde saca sal el mar?
(...)
¿Cómo saben las estaciones
Que deben cambiar de camisa?
(...)
¿Y cómo saben las raíces
Que deben subir a la luz?
(...)
¿Por qué tanto lujo a una flor
Y un oro sucio para el trigo?
(...)”
(Pablo Neruda, em "El Libro De Las Preguntas")







“eu seria muito mais feliz
com essa incompreensão
a respeito de tudo
com essa inabilidade
de ver o mundo
com essa capacidade
de aceitar as respostas fáceis
exatamente como elas são
de acreditar em salvadores da pátria
sem nenhum constrangimento
de ser pleno na ignorância
de ser criança com barba na cara
de falar de política
como se estivesse nos bastidores
de ser mais um cientista político
de boteco
de pagar caro pela bebida
mais barata
de dar esmola pra si mesmo
como o pequeno burguês
que ri da piada mais sem graça
e dando graças por ser quem é.”
(Sidney Machado, no poema "É Possível Ser Feliz")







“poesia é coisa de quem
nem sabe que gosta,
de quem nem sonha que poesia
(também)
é uma das formas
de brincar com fogo
e levá-los a outros,
por gerações.”
(Sidney Machado, no poema "Evangelho Grego")







“o autoengano em relação à própria poesia
tem matado centenas de poetas
todos os anos, inevitavelmente.”
(Sidney Machado, no poema "O Ministério Da Literatura Adverte:")







“crianças que correm
atrás de pássaros
nunca os alcançam.
e o objetivo é justamente esse:
vê-los voar.”
(Sidney Machado, no poema "O Segundo Par De Asas")







“era uma vez um asno
de focinho em pé.
lia livros, escrevia textos,
o tal danado.
como que por ironia
seu espírito
só não era mais pobre
que o seu próprio corpo,
no pior sentido.
morreu louco
e completamente só.”
(Sidney Machado, no poema "Uma Fábula Contemporânea Ou Um Breve Argumento Sobre A Insensatez")







“Eu ainda não compreendi
se a paixão nos deixa bobos
ou apenas nos devolve
a delícia de existir...”
(Tempo Feio)







“Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.”
(Vinícius de Moraes, no poema "Ausência")







“De que venho senão da eterna caminhada de uma sombra
Que se destrói à presença das fortes claridades
Mas em cujo rastro indelével repousa a face dos mistérios
E cuja forma é prodigiosa treva informe?

(...)

O que me diz ele senão que é vã toda a palavra
Que não repousa no seio trágico do abismo?

O que é o meu Amor? senão o meu desejo iluminado
O meu infinito desejo de ser o que sou acima de mim mesmo
O meu eterno partir da minha vontade enorme de ficar
Peregrino, peregrino de um instante, peregrino de todos os instantes?

(...)

O que é o meu ideal senão o Supremo Impossível
Aquele que é, só ele, o meu cuidado e o meu anelo
O que é ele em mim senão o meu desejo de encontrá-lo
E o encontrando, o meu medo de não o reconhecer?

(...)
O que sou eu senão Eu Mesmo em face de mim?”
(Vinícius de Moraes, no poema "A Vida Vivida")







“O próprio bem tem nele a máscara do gelo
E o seu crime é cruel, lúcido e sem paixão
Ele mata a avezinha só porque a viu voando
E queima florestas inteiras para aquecer as mãos.

(...)

Seu nome é terrível. Se ele o grita silenciosamente
Deus se perde de horror e se destrói no céu.
Desespero! Desespero! Porta fechada ao mal
Loucura do bem, desespero, criador de anjos!”
(Vinícius de Moraes, no poema "Elegia Desesperada")







“Tende imensa piedade dos músicos dos cafés e casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.

(...)

Tende piedade dos homens públicos e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados, próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que eles não saiam políticos também.

(...)

Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Desespero Da Piedade")







“Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.

Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.

Impossível fugir a essa dura realidade!
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
(...)
Porque hoje é sábado.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Dia Da Criação")







“Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário
De forma que, certo dia,
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade; nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Operário Em Construção")







“(...) e muita vez os meus olhos se desprendem misteriosamente das minhas órbitas
E presos a mim vão penetrando a noite e eu vou me sentindo encher da visão que os leva.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Outro")







“Por que quando eu caminhei para o sofrimento, foi o meu sofrimento que eu vi estendido sobre as coisas como a morte?
Ai de mim! a piedade ferira o meu coração e eu era o mais desamparado
O consolo estava nas minhas palavras e eu era o único inconsolável.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Outro")







“A vida do poeta tem um ritmo diferente
É um contínuo de dor angustiante.
O poeta é o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a visão de beleza
E a sua alma é uma parcela do infinito distante
O infinito que ninguém sonda e ninguém compreende.”

Ele é o eterno errante dos caminhos
Que vai, pisando a terra e olhando o céu
Preso pelos extremos intangíveis
Clareando como um raio de sol a paisagem da vida.
(Vinícius de Moraes, no poema "O Poeta")







“Eu me recolherei um minuto e escreverei: — 'Onde estará a volúpia?...'
E as borboletas se fecundando não me responderão.”
(Vinícius de Moraes, no poema "O Vale Do Paraíso")







“Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, porque e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fico invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!”

(...)

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um 'libertas quae sera tamen'
Que um dia traduzi num exame escrito:
'Liberta que serás também'
E repito!
(Vinícius de Moraes, no poema "Pátria Minha")







“Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.”
(Vinícius de Moraes, no poema "Poema De Natal")







“Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?”
(Vinícius de Moraes, no poema "Poema Enjoadinho")







“De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.”
(Vinícius de Moraes, no poema "Soneto Da Fidelidade")







“Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento”
(Vinícius de Moraes, no poema "Soneto De Carnaval")







“Somos feitos
Do mesmo material que os sonhos,
E nossa curta vida
Acaba com um sono.”
(William Shakespeare)







“Mal se encontraram, logo se olharam;
Mal se olharam, logo se amaram;
Mal se amaram, logo suspiraram;
Mal suspiraram, perguntaram o motivo de o haverem feito;
Mal souberam a razão, logo procuraram o remédio...”
(William Shakespeare)







“De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera,
Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante,
Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfange não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma para a eternidade.
Se isso é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.”
(William Shakespeare, no poema "Soneto")